Ele (1)

Gosto dos detalhes. Sou apaixonada pela pinta que ele tem do lado direito do rosto, perto da boca. Vivo um dilema por causa daquela pinta: a maior parte do tempo, ela fica encoberta pela barba que amo. Minha relação com a barba é quase um casamento. Mas todas as vezes que a barba sai e encontro a pinta, tenho vontade de beijá-la. E eu me sinto infiel por isso.

28 dias de café – parte 10: “Quando a gente vive é mais fácil teorizar”

Naqueles meses de primavera e verão que passei no Kibutz, com freqüência eu deixava de sair na sexta-feira à noite para acordar cedo no sábado, pegar minha bicicleta, ir à praia e voltar somente no fim da tarde. Lembrando agora, o aspecto mais interessante desse hábito é que ele causava estranheza nos que recebiam notícias minhas no Brasil. A idéia de muitos era que  Israel não passava de um grande deserto. De um modo geral, as pessoas não tinham em mente, por exemplo, a imagem da praia de Tel Aviv, cujo calçadão foi inspirado no de Copacabana.

Essa constatação, essa visão restrita dava uma dimensão do efeito da cobertura jornalística. A avidez por notícias de guerras e atentados, a massificação de imagens fechadas nas tragédias fazia evaporar outras referências muito mais antigas. Assim, pessoas sempre tão “informadas” sobre Israel permaneciam ignorantes em relação a aspectos básicos da geografia desse país minúsculo espremido entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho que, numa das passagens bíblicas mais conhecidas do mundo cristão, o Deus do antigo testamento abriu para o povo hebreu passar.

28 dias de café – parte 5: “Sobre saudades oceânicas e rotas desiguais”

Sempre achei que devia existir uma razão sublime para que eu tivesse desde muito cedo me separado de pessoas fundamentais na minha vida. Começou com os amigos da escola, considerando que dos 10 aos 16 anos estudei em seis colégios diferentes, sendo que em apenas um permaneci por dois anos consecutivos. Os motivos para as minhas mudanças foram diversos – como dificuldades financeiras, vontade de acompanhar os colegas da vizinhança ou a decisão de ter uma formação técnica – mas jamais estiveram relacionados à um mau rendimento, muito pelo contrário, nem à mudança de residência.

No início da vida universitária, o tempo de permanência até diminuiu: cursei um semestre de geografia na Uerj, abandonei porque preferi fazer jornalismo na Uff, onde estudei um semestre antes de trancar a matrícula e viajar para Israel.

Depois, apesar da minha felicidade por regressar ao Brasil, meses se passaram até que eu me recuperasse do efeito da experiência do Kibbutz, das andanças em Israel e no Egito. Durante muito tempo foi difícil coincidir o lugar do meu corpo, “preso” no início de vida universitária e no longo caminho que ela representava, e o da minha cabeça, que se concentrava na saudade que sentia de pessoas agora espalhadas pelo mundo e na necessidade de novos vôos. Naquela época pré-skype, as contas de telefone com chamadas para Inglaterra não raro geravam aborrecimentos para o meu pai.

Depois disso, afastamentos ainda mais difíceis aconteceram. Em 2003, minha irmã resolveu constituir família na Holanda, contrariando assim o antigo plano de sermos vizinhas quando casadas. Pelo menos ela manteve parte do acordo, que previa também um quarto de hóspedes na casa de cada uma, e esse fato me garantiu um pouso na cidade que viria a se tornar o meu centro mágico no mundo: Amsterdam.

Suportei com dificuldade também a partida da minha melhor amiga para Londres, em março de 2006, e a dor de me ver separada da Déia, com quem compartilhei praticamente todos os meus momentos felizes dos anos anteriores, definitivamente resultou em algo positivo: em agosto daquele mesmo 2006, parti rumo à Europa para o que deveria ser uma viagem de 50 dias e acabou se transformando em um período de três meses…

(e continua…)

28 dias de café – parte 4: “Das terras desencontradas”

Relendo um texto antigo do blog, de 2006, outros aspectos confirmavam a minha opinião de que o país que conheci não existia mais: 

“Nesse ano de 2000, boa parte dos israelenses com quem conversei despretensiosamente demonstrava certo respeito por Yasser Arafat; nunca afeto, é verdade. No governo do então primeiro-ministro Ehud Barak, havia um processo de paz, capenga mas relativamente amarrado, e só me lembro de um episódio mais esquisito, justamente quando, em Tel Aviv, resolvi conhecer o memorial de Itzhak Rabin – aquele que apertou a mão do Arafat em 1993, nos Estados Unidos, e foi assassinado, dois anos depois, por um extremista judeu que não queria que Rabin saísse por aí cumprimentando todo mundo. Minha visita ao memorial se deu em um sábado, o Shabat, e ali, guardando o lugar, havia um judeu, com um quipá na cabeça, lata de coca-cola na mão e palavras hebraicas incompreensíveis berradas pela boca que não se calou, mesmo depois d’eu dizer que não entendia a língua, porque, então, os gritos se pronunciaram em alto e bom inglês. Ele devia ter seus vinte e poucos anos, jovem como aquele menino de 1995 tão contrário a apertos de mão.Mas não passou disso. Ele só queria berrar com coca-cola seu descontentamento com a homenagem prestada pelos visitantes que não tinham um quipá na cabeça e descompreendiam suas palavras hebraicas.

Todos os judeus israelenses com quem eu conversava despretensiosamente me corrigiam quando eu dizia que a capital de Israel era Tel Aviv. De acordo com minhas aulas de geopolítica, a “comunidade internacional” jamais reconheceu Jerusalém como capital de Israel, e o meu contato com aquelas pessoas me ensinou que a comunidade internacional tampouco convenceu os judeus israelenses de que não era.

Pena eu não ter conversado tanto com árabe-muçulmanos israelenses. Na primeira vez que estive em Jerusalém, a minha entrada na cidade antiga foi pelo portão de Damasco, no quarteirão árabe. Até hoje sou capaz de sentir o aroma dos temperos em tantas bancadas das vielas estreitas, a música em palavras árabes que eu descompreendia, os véus à venda, e as mulheres e seus véus. Infelizmente não é possível definir com palavras a perenidade das marcas deixadas por tantos cheiros, cantos, cores e descompreensões…”

Um episódio, na época, chegou a alimentar minha fé na humanidade. Era um dia qualquer de semana quando meu chefe interrompeu o trabalho dos voluntários na cozinha para tomar vinho e celebrar a retirada das tropas israelenses da fronteira do Líbano, depois de 30 anos de ocupação.

Engraçado pensar que nós fomos praticamente os últimos voluntários a viver na Israel daqueles dias. Pisei novamente em solo brasileiro no dia 8 de setembro de 2000, precisamente 20 dias antes da provocativa visita do chefe da direita Ariel Sharon à Explanada das Mesquitas, episódio que desencadeou a segunda Intifada e mandou pras cucuias as negociações pela paz.

Dave, John, Rick e eu chegamos a considerar a possibilidade de permanecer em Israel por um mês mais, pois Yasser Arafat àquela época anunciava, para o final de setembro, a declaração do Estado da Palestina, com ou sem o apoio da comunidade internacional. Mas esse nosso desejo de fazer história sucumbiu diante do cansaço que nos acometia e da vontade de voltar para nossas casas.

28 dias de café – parte 3: “Sobre retornos e tormentos”

Talvez não exista sensação mais perturbadora que retornar aos lugares onde, em um determinado e irrepetível tempo, se viveu uma extrema felicidade, compartilhada com pessoas que só estavam ali, no mesmo momento, por uma fatal generosidade do universo. A experiência do Kibutz permaneceu na minha lembrança como uma das fases mais especiais da minha vida, e esse sentimento só se reafirmou com os anos, mas sempre me pareceu assustadora a idéia de retornar. A mim me bastou voltar a Ein Haroresh 45 dias depois de me desligar do kibutz e partir em viagem, visitando diferentes lugares, sempre rumo ao sul, até cruzar a fronteira de Taba e entrar no Egito, onde mochilei durante um mês, tendo como companheiros inseparáveis Dave, John e Rick.

Retornamos a Ein Hahoresh porque nossos vôos para casa partiriam do aeroporto de Ben Gurion, em Tel Aviv, e necessitaríamos de teto por um ou dois dias. Eu também precisava buscar a enorme mala que deixei, já que levara comigo, na viagem com os ingleses, menos de 20 por cento do que trouxera do Brasil – e a consciência de ter muito além do necessário, e de que ter demais pesa, literalmente, na alma viajante, se tornou um dos meus grandes ensinamentos.

No regresso ao kibutz, um choque: apenas dois, dos cerca de 25 voluntários, eram meus “contemporâneos”. Todos haviam partido e o lugar, em tão pouco tempo, se transformara num grande cemitério de lembranças. No refeitório dos voluntários, jaziam inscrições, objetos e mechas de cabelos deixadas pelos que eu jamais reencontraria. Essa foi a minha tomada de consciência, sob outra perspectiva, da partida desde sempre intrínseca à própria experiência.

No Kibutz, aprendíamos a conviver com pessoas de todos os cantos do mundo, com idades entre 18 e 35 anos, e posso dizer que, salvo alguns curiosos incidentes, essa convivência era bem pacífica. Mais que isso: amizades improváveis se formavam e amores ali gestados por vezes se ramificavam para os países de origem dos amantes. Assim aconteceu com a dinamarquesa Bodil e o sul-africano Andrew, com a sueca Linda e o colombiano Harvey, com o inglês Dauren e a brasileira Rosane (que depois se tornaram marido e mulher).

Como o tempo de permanência variava de três a seis meses, às vezes mais, às vezes pouco menos, e como em Ein Hahoresh havia acomodação para 30 voluntários, nosso cotidiano também era feito de ver gente chegar e partir a todo o momento. Isso provocava certa distorção na passagem dos dias e, hoje, quando paro pra pensar nos três meses vividos em Ein Haroresh, mal acredito que não foram muitos mais.

No meu último encontro com o John, em Amsterdam, já em janeiro de 2009, não deixei de pensar na ironia que consistia o fato de que um país de onde não paravam de chegar notícias de atrocidades tivesse sido um solo tão agregador e fundamental para a nossa amizade.

 Mas a verdade é que conhecemos uma Israel diferente, não somente aos nossos olhos. O cenário, apesar de sempre delicado, era outro. Não apenas porque fazíamos parte de um programa essencialmente judaico e, por conseguinte, as notícias a que tínhamos acesso eram invariavelmente pró Israel. Pequenos detalhes vivos na minha lembrança me indicam que não existia essa atmosfera de ódio, pelo menos não confessadamente, não como imagino que exista para as novas gerações.

Sim, havia sinais incontestes de que aquele era um país em guerra, como o serviço militar obrigatório para rapazes e moças dos 18 aos 21 anos – idade em que deveriam estar na universidade aprendendo coisas importantes como respeitar diferenças, amar a literatura, o cinema, criar projetos revolucionários, se embriagar com bebidas baratas, mas nunca vivendo sob uma atmosfera de morte.

 As armas que esses tantos jovens recebiam do governo eram mantidas por eles, durante o “expediente” ou não, o que tornava comum o convívio, nos transportes públicos, com lindos meninos sorridentes e fardados, e também com meninas super maquiadas e com cortes de cabelos modernosos, sempre transportando um fuzil atravessado nas costas.

Outro detalhe bem característico era a revista na entrada de locais como shoppings, em que todos deviam abrir as bolsas. Ainda assim, naquele país, em dias de folga do Kibutz, era possível viajar pegando carona e contar como certa a solidariedade dos motoristas, que me pareciam bem menos paranóicos do que qualquer carioca. Esse era um costume, uma prática disseminada em um lugar onde transportes públicos não funcionam no shabbat, ou seja, do pôr-do-sol de sexta ao pôr-do-sol de sábado.

28 dias de café – parte 2: “Mais lembranças viajantes de tempos idos”

Eu revirara muitas lembranças nos dias que antecederam aquela segunda passagem por Bajaras. Pensei muito nos três ingleses que conheci em Israel. Dave, John e Rick, também voluntários no Kibbutz Ein Hahoresh, vieram a se tornar grandes amigos e companheiros na viagem de um mês pelo Egito, as únicas pessoas daqueles tempos mágicos com quem mantive contato. Reencontrei Dave e John anos depois, no verão europeu de 2006, em Londres.

Havia um outro reencontro programado para aquele início de dezembro, novamente em Londres, e os e-mails carinhosos trocados, a expectativa quase infantil por revê-los, tudo reforçava minhas idéias sobre a magia das viagens. Afinal, que elo seria forte o suficiente para resistir a tantos anos de absoluto afastamento, umas poucas conversas telefônicas e e-mails nem sempre detalhados sobre o cotidiano em outro hemisfério, do outro lado do oceano? Quantas amizades de infância já não se perderam por conta de bem mais sutis escolhas e opções de vida?

O que me unia ao Dave músico e agora professor, ao John produtor musical, ao Rick mestrando em Social Work? Justamente esses três ingleses que, em outros tempos, agigantavam meu sentimento de outsider e me olhavam como uma menina exótica de manias curiosas – idéia pra lá de manifestada nas inesgotáveis zoações Oriente Médio afora, pelos motivos mais babacas, como o meu jeito de não querer refrigerante, de exagerar na expressão facial, de ter prisão de ventre por conta dos banheiros deprimentes nos albergues do Cairo, de ter nojo de falafel com cabelo, de nunca comer com as mãos, de ser quieta demais de manhã e responder às tentantivas de contato nas primeiras horas do dia de maneira atravessada e mau humorada. E por falar inglês pensando em português, por ser enfática e colocar really, so e very antes de todos os adjetivos, abusar dos advérbios specificly, specially e exactly, por tentar dizer coisas em hebraico e repetir sempre a mesma frase, por fazer comparações o tempo inteiro com o Brasil, onde tudo era invariavelmente melhor, mais bonito, mais gostoso, mais divertido e mais barato.

Passados quase nove anos, era muito fácil entender que as experiências compartilhadas naquele ano 2000 foram um laço mais forte que qualquer idiossincrasia. E essa constatação acabava por lançar luz a outras questões, como os motivos da profunda tristeza que me acometia todas as vezes que eu voltava pra casa. Tava explicado: minha angústia não se devia ao fato de ter que retornar ao Brasil depois de fantásticas viagens em terras estranhas, mas sim por sempre ter precisado matar, ao regressar, uma parte incandescente da minha alma. E, sem ter com quem recordar e reviver, pois meus parceiros de viagem estiveram desde sempre distantes do meu cotidiano, eu terminava por sofrer com as incompartilháveis lembranças – aquelas que só quem viveu, sentiu. Houve tempos em que me perguntei: isso tudo aconteceu de verdade?

28 dias de café – parte 1: “No aeroporto de Madri, lembranças de outros tempos”

Dezembro de 2008. Era minha terceira viagem internacional, mas, no aeroporto de Bajaras, experimentei a inédita sensação de retornar a um lugar depois de tanto tempo.
 
Meu vôo para Tel Aviv, quase nove anos antes, havia sido igualmente via Madri. Permaneci no aeroporto conversando com Cézar, que preencheu aquelas seis horas de espera me contando suas aventuras em diferentes países. Ele, angolano residente em Genebra, trabalhava para a ONU. Parte das informações eu pude confirmar meses depois, já que Cézar me enviou alguns postais da cidade suíça em envelopes da Unitar (United Nations Institute for Training and Research).
 
O efeito daquelas horas de conversa, aguardando meu vôo para Israel, levou bastante tempo, talvez anos, para se dissipar. Naquele dia, Cezar falou das missões de paz e aguçou o meu interesse de uma maneira quase covarde, tocando no meu coração cheio de sonhos ao dizer que, como estudante de jornalismo, eu poderia fazer um estágio temporário na organização. E me encorajou a entrar em contato com ele quando eu tivesse um endereço certo em Israel, depois de estabelecida no Kibbutz onde trabalharia como voluntária nos próximos meses.
 
Acreditei com toda a força dos meus 18 anos de que aquilo seria de fato possível e essa idéia me perseguiu por meses a fio, manifestando-se nas cartas que eu enviava a Cézar – para as quais sempre obtive carinhosas e incentivadoras respostas -, nas chamadas internacionais para Genebra – que engordavam substancialmente minhas contas no Kibbutz -, nas conversas com outros voluntários, que me ouviam com um ar incrédulo.
 
Três meses após aquele dia em Bajaras, recebi uma ligação de Cézar dizendo que precisaria viajar para Israel, por conta de uma missão, e que gostaria de me encontrar. E de fato nos encontramos, jantamos em algum lugar que a minha memória apagou por completo, caminhamos na praia de Tel Aviv. Quis me informar melhor sobre as minhas concretas possibilidades de conseguir um estágio ou trabalho voluntário na ONU e tivemos uma conversa agradável, até aquele homem pelo menos 20 anos mais velho que eu resolver confessar que estava apaixonado por mim e que eu era o real motivo de sua visita ao país.
 
Mesmo depois dele me pedir para dormir em seu quarto de hotel, e depois que exigi, com toda a força da minha raiva e da minha decepção, que ele pagasse um quarto separado para mim, pois não teria condições de voltar no meio da noite, e mesmo depois de saber por uma amiga brasileira, também voluntária no meu kibbutz, que a esposa de Cézar ligara nervosa, implorando que eu tivesse muito cuidado com ele, apesar desse soco no meu estômago, e de jamais ter tido coragem de mencionar o fato com os outros voluntários todos que ouviram minhas estórias fabulosas de antes, apesar disso tudo, quando retornei ao Brasil, meses mais tarde, enviei insistentes cartas às Nações Unidas, e não deixei de enviá-las até que recebesse uma resposta, e quando recebi uma foi para ser informada de que não havia vaga para alguém com o meu perfil de jovem em início de vida universitária.
 
Tudo isso pensei em Bajaras, enquanto esperava a minha conexão para Londres, para reencontrar a grande amiga, a companheira de tantos momentos que, com um sentimento que eu bem conhecia, partiu para longe em busca de si própria. E pensei no quão transformada eu estava, nove anos depois da minha primeira viagem, não apenas porque já não sabia mais nutrir tanta esperança gratuita pelos seres humanos, mas também porque me pesava no coração o acúmulo de tantos adeuses. Para não mais ter que viver dolorosas despedidas, cheguei a desejar nunca mais amar com tanta força.

Uma tarde num rio do Sul

O nome do rio era Guaíba. Lembro daquela tarde, do pôr-do-sol primeiro de muitos. Conversamos sobre a vida, sonhamos e nos maravilhamos com o nada, ao som da água calma, com a fumaça dos cigarros que acendíamos um atrás do outro devido à falta de fósforos.

Naquele fevereiro de 2002, o desconforto da barraca divida, o acampamento no Parque da Harmonia, as caminhadas pelas ruas de Porto Alegre em busca de uma famosa cachaçaria, o chimarrão, o vinho, o telão de cinema, as dúvidas sobre o futuro, a certeza da existência de muito mais, os shows e todos os acontecimentos daqueles 10 dias eram apenas coadjuvantes de um bem maior que ali nascia.

(escrito em 18.12.2006)

Dia de festa

(e-mail enviado por mim no dia 22 de fevereiro)

Olá, amigos queridos.
No próximo dia 28 meu pai completa 61 anos. Há um tempinho comento com alguns de vcs que gostaria de fazer algo na minha casa pra criar uma aproximação dos meus amigos com o seu Artur. Acho que a oportunidade é boa. Só tem uma questão: seu Artur foge de festas, ainda mais se for a do próprio aniversário. A Dani já esperneou muito nessa vida por causa do jeito bicho-do-mato do nosso pai. Mas acho que encontrei uma solução divertida: fazer uma festa em homenagem ao seu Artur, mesmo que ele não participe.

Há dois dias, disse que daria uma festa e ele me respondeu que, então, sairia de casa para um retiro espiritual. Me pareceu sublime. Minha comemoração será um estímulo para orações. Além disso, decidi instituir a santidade do dia 28 de fevereiro, quando, a partir deste ano, celebrarei a vida de quem me criou e me ensinou tanto, mesmo quando não era a intenção, mesmo quando aprendi pelo avesso, sendo contrária ao que ele queria me ensinar.

Usando as palavras da Déia, esta é quase uma forma de vencer a morte. Daqui a muitos anos, quando o meu pai não estiver mais entre nós, continuarei comemorando e nem vou sentir diferença. A ausência é uma das formas mais bonitas de presença, sempre achei…

Ele riu com a minha conclusão e me lembrou que isso é precisamente o que fazemos na tradição cristã. Em nome do Cristo ausente várias pessoas se reúnem, em tantos cantos desse mundo. Talvez este tenha sido Seu maior milagre: perpetuar o encontro. Então, como Jesus mesmo disse que faríamos obras maiores que as Dele, acho que não faz mal algum tranformar o dia do seu Artur num dia de encontro, celebração da amizade e de comunhão.

Depois dessa, vou querer também festejar os aniversários atrasados de fevereiro: da Dani (dia 1), que mora em Amsterdã, e da Déia (dia 8), que vive em Londres. Pode ser num sábado desses aí. Mas o do seu Artur eu faço questão que seja no dia 28.

Me digam o que acham.
Abraços,
Gi

PS – Questões práticas: vou fazer o bolo e as várias pizzas. Tragam a bebida. Pensei em marcar às 20hs.