Eu revirara muitas lembranças nos dias que antecederam aquela segunda passagem por Bajaras. Pensei muito nos três ingleses que conheci em Israel. Dave, John e Rick, também voluntários no Kibbutz Ein Hahoresh, vieram a se tornar grandes amigos e companheiros na viagem de um mês pelo Egito, as únicas pessoas daqueles tempos mágicos com quem mantive contato. Reencontrei Dave e John anos depois, no verão europeu de 2006, em Londres.
Havia um outro reencontro programado para aquele início de dezembro, novamente em Londres, e os e-mails carinhosos trocados, a expectativa quase infantil por revê-los, tudo reforçava minhas idéias sobre a magia das viagens. Afinal, que elo seria forte o suficiente para resistir a tantos anos de absoluto afastamento, umas poucas conversas telefônicas e e-mails nem sempre detalhados sobre o cotidiano em outro hemisfério, do outro lado do oceano? Quantas amizades de infância já não se perderam por conta de bem mais sutis escolhas e opções de vida?
O que me unia ao Dave músico e agora professor, ao John produtor musical, ao Rick mestrando em Social Work? Justamente esses três ingleses que, em outros tempos, agigantavam meu sentimento de outsider e me olhavam como uma menina exótica de manias curiosas – idéia pra lá de manifestada nas inesgotáveis zoações Oriente Médio afora, pelos motivos mais babacas, como o meu jeito de não querer refrigerante, de exagerar na expressão facial, de ter prisão de ventre por conta dos banheiros deprimentes nos albergues do Cairo, de ter nojo de falafel com cabelo, de nunca comer com as mãos, de ser quieta demais de manhã e responder às tentantivas de contato nas primeiras horas do dia de maneira atravessada e mau humorada. E por falar inglês pensando em português, por ser enfática e colocar really, so e very antes de todos os adjetivos, abusar dos advérbios specificly, specially e exactly, por tentar dizer coisas em hebraico e repetir sempre a mesma frase, por fazer comparações o tempo inteiro com o Brasil, onde tudo era invariavelmente melhor, mais bonito, mais gostoso, mais divertido e mais barato.
Passados quase nove anos, era muito fácil entender que as experiências compartilhadas naquele ano 2000 foram um laço mais forte que qualquer idiossincrasia. E essa constatação acabava por lançar luz a outras questões, como os motivos da profunda tristeza que me acometia todas as vezes que eu voltava pra casa. Tava explicado: minha angústia não se devia ao fato de ter que retornar ao Brasil depois de fantásticas viagens em terras estranhas, mas sim por sempre ter precisado matar, ao regressar, uma parte incandescente da minha alma. E, sem ter com quem recordar e reviver, pois meus parceiros de viagem estiveram desde sempre distantes do meu cotidiano, eu terminava por sofrer com as incompartilháveis lembranças – aquelas que só quem viveu, sentiu. Houve tempos em que me perguntei: isso tudo aconteceu de verdade?