Ontem à noite, precisei interromper minha leitura por conta de uma sublime perturbação: fiquei emocionada com a música que estava tocando na rádio. Confesso que tenho esses arroubos, que mesmo nos momentos mais espinhosos, nas fases menos poéticas da minha vida, minha sensibilidade sempre abana o rabo diante de qualquer osso, qualquer farejar do belo. E pensei de novo nessa culpa cristã que sinto de preencher mais meus dias com beleza.
Escolhi uma forma, digamos, mais política de atuar no mundo, moldei um caminho profissional a partir do pressuposto de que existia muito a ser feito e aperfeiçoado, mais que isso: que transformações profundas eram/são necessárias. Não havia, portanto, tempo a perder com miudezas.
Mas meu coração, afeito a travessuras, sempre me dá rasteiras que me devolvem ao chão, me fazem sentir o cheiro e o gosto do solo que me constitui. E me lembro que humildade vem de humus — trata-se da capacidade de ser terra, chão, raiz — e que arrogância é imaginar ser possível tornar-se o que não se é.